terça-feira, 21 de agosto de 2018

GUEIXA (1)


Muito se fala e se discute, principalmente no ocidente, sobre a figura e o papel da gueixa na sociedade japonesa. Na prática, poucos ocidentais, e mesmo japoneses, têm efetivamente contato com uma gueixa. Em público, elas só aparecem em poucas ocasiões, como no Jidai Matsuri (Festival das Eras), e na temporada de danças tradicionais Kamogawa Odori (Danças do Rio Kamo) que ocorrem em outubro, em Kyoto. Fora tais ocasiões, poucos turistas conseguem vê-las andando pelas ruas, nas raras ocasiões em que saem para ter aulas de dança, shamisen (cítara de três cordas tradicional) ou ikebana (arranjo floral), ou a caminho de um restaurante para entreter algum empresário ansioso em impressionar os seus convidados. Ser servido ou entretido por uma gueixa, mesmo entre os japoneses, é privilégio de poucos.



O fascínio pelo assunto no ocidente começou através de artigos de jornais e da arte, do teatro e da literatura a partir da segunda metade do século XIX, quando o Japão passou a abrir os seus portos às potências ocidentais, terminando um isolamento comercial e cultural que durou mais de 200 anos. As gravuras ukiyo-e (retratos do mundo flutante) tornaram-se bastante populares e apreciadas na Europa, em especial por artistas plásticos franceses.  Vendidas em folhas avulsas ou até encadernadas na forma de um livro, tais gravuras frequentemente retratavam gueixas, havendo até artistas que se especializaram em desenhá-las, como Kiyonaga e Utamaro, formando um “estilo” dentro do ukiyo-e, chamado de bijin-ga (desenho de mulher bela). Relatos de viajantes e correspondentes publicados em jornais de um Japão tão diferente e exótico eram lidos com grande curiosidade.


Em 1904, o compositor italiano Giacomo Puccini criou a ópera “Madame Butterfly”. Inspirada num caso verídico, a ópera conta a trágica história de uma gueixa, Cho-cho (“borboleta” em japonês), que se apaixona por Pinkerton, oficial americano em missão no Japão. Acreditando ser esposa de Pinkerton, ela tem um filho mestiço e passa a sofrer o preconceito dos japoneses. Ele é chamado de volta aos Estados Unidos, e acreditando nos democráticos valores com que o seu amado descrevia o ocidente, Cho-cho aguarda o seu regresso ao Japão na esperança de ir viver com ele e com o filho na América. Mas Pinkerton volta casado com uma americana e deixa Cho-cho, que acaba por se matar. Até hoje extremamente popular, “Madame Butterfly” não apenas tornou Cho-cho a gueixa ficcional mais famosa do mundo, como também serviu de inspiração para filmes e outra peça de sucesso 80 anos depois: o musical “Miss Saigon”, de Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg.
 


A ficção e as diferenças culturais fizeram com que a idéia que o ocidente tem das gueixas seja distorcida, pouco correspondendo com a realidade. Muitos, principalmente os incultos, acham que uma gueixa nada mais é do que uma exótica prostituta de luxo – algo que choca os japoneses, que as consideram refinadas guardiãs das artes tradicionais. Para os japoneses, achar ou tratar uma gueixa como se ela fosse uma mera prostituta é uma atitude que revela não só falta de critério, mas de cultura de quem assim age. Na sociedade japonesa, a gueixa é objeto de admiração e respeito. Elas dão status aos lugares que vão e às pessoas com quem se relacionam , um status que é mais ligado à tradição que à moda.

Entender o que é, ou o que faz uma gueixa ser uma gueixa, é difícil para os que pouco conhecem o Japão, a história, a cultura e a sociedade do país. A existência da gueixa só pode ser compreendida no contexto japonês, assim como ela é produto do que o Japão foi e é.
O surgimento da gueixa tem muito a ver com a maneira pela qual a sociedade japonesa foi organizada durante o governo dos xóguns da família Tokugawa, também conhecido como a Era Edo (1603 – 1867). No século XVII, nas primeiras décadas do estabelecimento do xogunato, crescentes medidas de controle da vida civil foram tomadas objetivando não só estabilidade interna, mas a manutenção do clã Tokugawa no poder, o que deu à sociedade como um todo uma forma feudal, rígida e hierarquizada, de pouca mobilidade de uma classe a outra e fechada em si mesma. Influências externas, como o cristianismo, eram vistas como negativas e subversivas, de tal modo que em 1637 um édito do xogunato ordenou a proibição do comércio e da vinda de navios europeus (exceptuando os holandeses da Companhia das Índias, que eram tolerados por não misturar religião ao comércio, e que ficavam isolados em uma ilha perto de Nagasaki) e a expulsão dos estrangeiros, impondo um isolamento do Japão que se estenderia por dois séculos.

O controle do governo sobre a sociedade civil atingiu em especial as mulheres. Excetuando os papéis de mãe, esposa e dona de casa, não havia uma profissão que uma mulher pudesse exercer, que não fosse na condição de auxiliar do seu marido na agricultura, ou num comércio dirigido pelo esposo – trabalhos que eram considerados “obrigação” da mulher e que, por isso, não recebia uma remuneração específica. A falta de opções de profissões para as mulheres foi agravada em 1629, quando por lei o xógun tornou o teatro uma atividade proibida às mulheres. Impedidas de praticar atividades de entretenimento em público, os palcos foram rapidamente ocupados por homens travestidos, para substituir a presença feminina em cena. Não tendo um marido ou uma família que a sustentasse, restava à mulher apenas a prostituição como meio de subsistência.


A palavra geisha significa literalmente “pessoa da arte, artista”, e ela foi originalmente usada para designar comediantes e músicos que se apresentavam em banquetes e festas particulares no século XVII. Assim, as primeiras gueixas não foram mulheres, mas homens. Os otoko-geisha (artistas masculinos) eram especializados em entreter pequenas platéias em festas, dançando, cantando contando histórias e piadas. Como os palcos estavam proibidos às mulheres, as festas privadas tornaram-se os únicos lugares onde as mulheres podiam tocar música, dançar e cantar, e assim surgiram as onna-geisha (artistas femininas).

 Entretanto, aquela era uma época em que a atividade artística e prostituição se confundiam. Donos de pousadas e de casas de chá ofereciam as suas funcionárias, que de dia serviam ás mesas e limpavam o estabelecimento,  como prostitutas à noite, ao que se dava o sutil nome de “serviço de travesseiro”. Nem sempre se tratava de prostituição voluntária – patrões sem escrúpulos diziam às empregadas “agrade o cliente ou é despedida”. Originalmente o teatro kabuki era predominantemente feminino, porém muitas dançarinas de kabuki prostituíam-se e escândalos de samurais envolvidos com elas na capital foram a causa da proibição em 1629. Assim, a clientela dos banquetes não esperava menos das mulheres artistas. Embora durante muito tempo a atividade de gueixa confundiu-se com prostituição, a partir do século XVIII medidas que oficializaram e regulamentaram a prostituição acabaram distinguindo as prostitutas das gueixas.




Atualmente ser uma gueixa é mais do que uma mera profissão. É um estilo de vida que exige total e absoluta dedicação. É aceitar acima de tudo que será uma vida de servidão, que eventualmente terá grandes recompensas. Como tudo no Japão, ser gueixa é também um dom, um caminho a ser percorrido pelo resto da vida. Karyukai, “o mundo da flor e do salgueiro”, é o nome que se dá ao mundo das gueixas. Cada gueixa é como uma flor e um salgueiro: bela em seu próprio modo de ser como uma flor; graciosa, flexível mas forte como um salgueiro.



sábado, 11 de agosto de 2018

JOGOS OLÍMPICOS 2020 – TÓQUIO


Confirmou-se uma excelente notícia que há muito os amantes e praticantes de karate esperavam: a modalidade faz parte de um lote de cinco que vão integrar os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.
 O karate alcança agora o prestígio de uma modalidade olímpica com tudo o que isso acrescenta á modalidade, desde os apoios económicos até à própria motivação dos karatecas, que podem agora acrescentar mais um objetivo competitivo ao seu plano de trabalho.


Tóquio 2020 vai também contar com modalidades como escalada, skateboard (street e park), surf e basebol (masculino)/softbol (feminino). Yoshiro Mori, presidente dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, destacou que “a inclusão destas novas modalidades irá permitir a jovens atletas a oportunidade de uma vida, concretizando o sonho de competir nos Jogos Olímpicos, o maior palco desportivo do mundo”.

Esta é uma ideia reforçada pelo presidente do Comité Olímpico Intenacional (COI), Thomas Bach, que acredita que estas cinco novas modalidades são uma “combinação inovadora de modalidades bem estabelecidas e emergentes, voltadas para a juventude.”
Esta foi uma decisão tomada por unanimidade pelo COI num congresso que decorreu em Agosto passado, no Rio de Janeiro. Na ordem de trabalhos estavam ainda modalidades como o bowling, o squash ou o wushu, mas estas ficaram de fora.
As próximas olimpíadas de 2020 , terão assim mais dezoito eventos desportivos, estando oito medalhas de karate em jogo.




domingo, 5 de agosto de 2018

MIKIMOTO - REI DAS PEROLAS



Conhecido como “Rei das Pérolas”, Kokicho Mikimoto nasceu na cidade de Toba, atual província de Mie. A família possuía um pequeno negócio de udon (esparguete com caldo japonês)  sendo o filho mais velho,  estava destinado a continuar com a atividade dos seus antepassados. Foi apenas na casa dos 30 anos, já casado e com filhos, que Mikimoto se interessou por pérolas , mais especificamente pelas experiencias para a criação de pérolas cultivadas. Contemporâneos de Mikimoto, o biólogo Tokichi Nishikawa e o carpinteiro Tatsuhei Mise descobriram, um independente do outro, a base da cultura de pérolas, que era a inserção cirúrgica de um núcleo de metal dentro de uma ostra, para que ela forme uma pérola com a lenta liberação de uma secreção que cobrirá o núcleo. Nessa época (final do século XIX), embora se conhecesse a base do processo que forma a pérola dentro de uma ostra, não havia um processo que efetivamente permitisse o cultivo de pérolas de qualidade em quantidade.

Determinado a criar o processo de cultivo propriamente dito, Mikimoto fez experiencias durante anos, para encontrar desde o material mais adequado para o núcleo até o local mais adequado para as ostras ficarem no mar. Na base da tentativa e erro, ele usou de tudo: areia, barro, madeira, vidro e metais como núcleos. Perdeu anos de trabalho com a praga da maré vermelha, uma doença que mata ostras aos milhões. Endividado, Mikimoto chegou a ter de ir trabalhar em Hokkaido para ter dinheiro.
Tanta obstinação gerou frutos. Mikimoto acabou obtendo os melhores resultados com ostras enxertadas com núcleos feitos de conchas de mariscos americanos, e na costa de Toba encontrou o melhor local para o longo repouso das ostras, que precisam estar vivas para produzir pérolas. A primeira “colheita” de Mikimoto foi de cinco pérolas de boa qualidade para 800 mil ostras enxertadas, ainda assim uma média mais alta que a natural, de uma pérola para cada milhão de ostras.


Mikimoto abriu a sua empresa em 1893. Além de aperfeiçoar o cultivo de pérolas, ele investiu no ramo joalheiro, enviando funcionários à Europa para aprenderem a confecção e design de jóias. Em 1907, Mikimoto abriu a sua primeira joalheria em Tokyo, e em 1911, a primeira filial no exterior, em Londres. Hábil homem de marketing, Mikimoto promoveu as pérolas japonesas no exterior expondo grandes estruturas, como a réplica do Sino da Liberdade dos Estados Unidos, e representando personalidades com as suas criações, como o inventor Thomas Edson. Mikimoto cunhou a frase “meu sonho é colocar um colar de pérolas no pescoço de cada mulher deste mundo”.

Antes da Segunda Guerra, Mikimoto possuía filiais em Londres, Nova York, Los Angeles, Xangai, Bombaim e Paris. Com a Guerra, foi obrigado a fechar as filiais e nos duros tempos de reconstrução, mesmo com idade avançada,  voltou a enxertar e cuidar das ostras com as suas próprias mãos. Em 1954, Mikimoto faleceu aos 96 anos, tendo reerguido a indústria das pérolas que ele mesmo criou. A esposa, Ume Mikimoto, sua principal colaboradora e mãe dos seus cinco filhos, faleceu antes de ver o sucesso do marido. Além de trabalhar, cuidar da casa e da família, Ume participou ativamente do longo e complexo cultivo de ostras, fato este que Mikimoto fez questão de lembrar divulgar durante toda a sua vida.

Mikimoto é um divisor de águas no que se refere a pérolas. Com ele, criou-se efetivamente a pérola cultivada, o que tornou uma jóia rara acessível no mundo inteiro, embora as pérolas continuem a ser caras e belas. Atualmente, todas as jóias adornadas com pérolas são do tipo cultivado e embora haja hoje pérolas cultivadas de outras partes do mundo, Mikimoto tornou a pérola um sinonimo de Japão.