sexta-feira, 14 de julho de 2017

ARMAS DO ANTIGO ORIENTE - O ARCO E O ARQUEIRO




O tiro com arco, arte marcial japonesa, data da revolução Taikano Kaishin de
700 d.C. devido à influência do príncipe Shoto-Ku.
Consistia numa espécie de tiro ao arco, a cavalo ou a pé, desenvolveu-se respetivamente nos períodos Kama-Kura e nas invasões mongóis.
Difere do tiro ao arco ocidental, porque o kyodoca coloca a mão direita vários centímetros atrás da orelha e a flecha é lançada do lado direito do arco.
Além do tamanho e construção dos arcos ser totalmente diferentes.
É uma das dezoito artes marciais praticadas pelos samurais, relacionando-se, portanto, com a formação dos seus praticantes.
Ainda hoje é praticado, principalmente no Japão e inclui: Kyudo, via do tiro com arco , Kyuba, arte de tiro com arco (Kyu) e equitação (Ba) combinados.
O arco Japonês (Yumi) é muito diferente do arco chinês ou Mongol, já que é muito mais largo (2,20m aproximadamente) tem uma curvatura assimétrica, o que obriga a estirar a corda à altura do terço inferior do mesmo.
A distância máxima de tiro útil de um arco como este, não ultrapassa os 100m, isto, em tiro directo.
As flechas (Ya) utilizadas com o grande arco japonês (Yumi) eram muito compridas (mais de um metro). Construidas em bambu e emplumadas com penas de águia. As pontas das flechas utilizadas pelos samurais, tinham diversas formas e cada clã tinha as suas preferências, dando-lhes o nome do seu inventor, da sua forma ou uso que os arqueiros lhes davam, existindo assim, centenas de formas.


O grande mestre Kenzo Awa (1880-1939) explicava que o tiro ao arco consistia em deixar partir a flecha sem a intenção de acertar, de atirar sem apontar. Herrigel, o seu aluno europeu, (de 1923 a 1929, a quem atribuiu o 5º Dan,) não pôde deixar de dizer: “Nesse caso, mestre, deve ser capaz de atirar de olhos vendados”.
O mestre pousou nele um olhar prolongado, antes de lhe marcar um encontro para a tarde desse dia. Já era noite quando Herrigel foi introduzido no dojo. O mestre Kenzo Awa convidou-o primeiro para um chá no yu, uma cerimónia do chá que ele próprio realizou. Sem proferir uma palavra, o ancião preparou o chá com todo o cuidado ,depois serviu-o, com uma imensurável delicadeza. Cada um dos seus gestos desdobrava-se com a precisão e a elegância que só uma grande concentração pode dar. 


Os dois homens mantiveram-se em silêncio, para poderem saborear convenientemente este harmonioso ritual – um instante de eternidade, como dizem os japoneses. 
Seguido pelo seu aluno, o mestre atravessou depois o dojo , colocou-se à frente do átrio que resguardava os alvos, que estavam a sessenta metros de distância. O átrio encontrava-se mergulhado na penumbra , dos alvos apenas se conseguia descortinar os contornos. 
Obedecendo às instruções do mestre, Herrigel foi lá colocar um alvo deixando, no entanto, as luzes apagadas. Na regresso, reparou que o velho arqueiro se preparava para a cerimónia do tiro ao arco. 
Após uma saudação dirigida ao alvo invisível, o mestre deslocou-se, dando a ideia de deslizar sobre o soalho. Os seus movimentos sucediam-se com a lentidão e a fluidez de uma língua de fumo que rodopia docemente ao sabor do vento. Ergueu os braços , depois baixou-os. O arco retesou-se devagarinho, até que a flecha partiu bruscamente, mergulhando na obscuridade. 
O mestre permaneceu imóvel, com os braços esticados, como se acompanhasse a flecha até ao seu destino desconhecido; como se o tiro se prolongasse numa outra dimensão. Logo a seguir, e mais uma vez, o arco e a flecha voltaram a dançar nas mãos dele. A segunda flecha silvou como a primeira e foi devorada pela noite. 
Cheio de pressa, com grande curiosidade, Herrigel foi acender as luzes para ver onde se tinham cravado as flechas. A primeira encontrava-se no centro do alvo; a segunda, mesmo ao lado, ligeiramente afastada pela precedente que tinha tocado e da qual arrancara vários centímetros de bambu. 

Herrigel foi buscar o alvo, felicitou o mestre pela façanha conseguida. Este retorquiu: O mérito não me pertence. Isto aconteceu porque deixei agir em mim uma “coisa qualquer”. E foi esta “coisa qualquer” que permitiu às flechas servirem-se do arco para se juntarem no alvo.
Este feito admirável é referido pelo professor Herrigel, no seu livro “l´Art chevaleresque du tir á l´arc”, onde revela a experiência da sua aprendizagem de kyudo, ocorrida durante os seis anos que passou no Japão.
Anzawa Heijirô (1887-1970), outro grande mestre desta arte, foi aluno de Awa Kenzô, tendo escrito uma pequena obra intitulada Dai-sha-do (grande doutrina do tiro com arco), onde incluiu pensamentos do seu mestre Kenzo Awa. 
O samurai, a cavalo, prendia as rédeas a uma anilha da sua armadura para ter ambas as mãos livres para combater ou disparar o arco, dirigindo a sua montada unicamente com as pernas e peso do corpo. A sela era de madeira coberta com tela de couro. Os estribos eram amplos e profundos, permitindo uma posição estável.


O kyu jutsu, o tiro ao arco, era, a par do ken jutsu, uma prática reservada à aristocracia dos bushi.
Quando apareceram as armas de fogo, o arco começou a ser erradicado dos campos de batalha, o que só contribuiu para a pureza do kyu jutsu.

Tornou-se assim, uma disciplina muito orientada no sentido do desenvolvimento espiritual, já que no dojo, o atirador, para atingir o alvo, tem apenas a si próprio como adversário.

O tiro ao arco foi preservado, sobretudo, nos templos, ainda hoje se conserva como exercício espiritual praticado diariamente por numerosos monges.

O kyu jutsu é considerado pelos japoneses como um dos símbolos religiosos de


maior relevância, porque “de uma extremidade do seu arco, o arqueiro atravessa o Céu; da outra, ele penetra a terra; e, tensa entre as duas, a corda atira a flecha ao coração do alvo visível invisível...”
Seguem-se algumas palavras do grande Mestre do arco, Kudo, da escola Ogasawara no Japão, e também do tiro com arco a cavalo (Yabusame):
“Antigamente, todos os guerreiros tinham de estudar Kyudo (Via do Arco), fazia parte do seu treino militar, sendo o tiro com arco a mais importante das artes do guerreiro. Era a primeira das quatro artes da guerra: Kyudo (Tiro com Arco), Ba-jutsu (Arte do cavalo), Yari (Lança) e Ken-jutsu (Arte do Sabre)”.
A formação do guerreiro compreendia outros campos, igualmente importantes, reunidos nas chamadas seis artes (rokuguei): Rei ou etiqueta, Gun, táctica ou estratégia militar; Sha, o arco; Gyo, o estudo do cavalo; Sho, a escrita, ou talvez a erudição, pois compreendia Waca, pequenos poemas, Sado, a cerimónia do Chá e Kaku, a escrita, ou caligrafia; e, por fim, Saku, o trabalho agrícola.
O Kyudo é uma arte mais pessoal que as outras, não existe a relação do praticante com outro praticante, mas sim do praticante com o alvo. Quem se move somos nós próprios; o alvo não, nunca erra. Dentro de si mesmo é que se pode elevar o nível da Arte, melhorar o espírito e o coração. O combate é consigo próprio, pois é em si mesmo que residem os defeitos e as falhas.

Mestre Anzawa




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